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17/05/2018

O Djinn





Ele parou de caminhar e a encarou com seriedade.
- Temos meia hora antes do anoitecer – disse - Você precisa ir...
- Eu não vou pra casa Ezequiel – interrompeu ela. - Não com você sozinho nessa mata – Eu não saberia o que fazer se te perdesse.
Ele franziu o cenho por um momento, mas não conseguiu sustentar o olhar dela.
Suspirou.
- Olívia, eu não vou desaparecer. Quantas vezes tenho que te falar isso? Eu ando por essa floresta desde que eu era pequeno... E além do mais, o Charlie vai estar comigo.
O grande rottweiler latiu quando ouviu seu nome. Parecia ansioso em continuar a busca.
Ela não sabia o que dizer para convencê-lo.
- Você não entende, amor... eu sinto que tem algo errado acontecendo.
- Não entendo mesmo. Agora vá. Já estou decidido.
Ela achou que iria começar a chorar e virou de costas. Nesse momento Ezequiel a abraçou por trás, fazendo com que ela realmente chorasse.
- Ah Deus... Nos ajude a encontrar nosso filho.
- Eu prometo que vamos encontra-lo, amor... Eu ainda sinto que Michael está vivo.
Eu também. Pensou ela. Mesmo que este seja o quinto dia sem ele.
- CHARLIE VIU ALGUMA COISA! – Gritou Ezequiel, assustando tanto Olívia que ela só conseguiu ficar olhando enquanto o marido perseguia o cachorro. Os latidos se afastando.
- ESPERA! – Gritou ela, correndo atrás.
Desde que seu filho entrou naquela floresta para nunca mais voltar, o perigo emanava da região como um fedor indescritível, sempre presente. O lugar se tornara uma sombra em sua vida; um espinho em seus pensamentos; uma sanguessuga diária de emoções.
Não posso deixar que ela leve Ezequiel.
Ele estava a cinquenta metros dela e se afastando rápido. Atravessando os galhos baixos como um touro. Ficava cada vez mais difícil ver a lanterna dele entre as árvores.
- EZEQUIEL!
Ela correu com tudo. Os galhos lhe arranhando a face e o desespero crescendo. Mesmo quando os latidos de Charlie desapareceram, não parou de correr. O que a derrubou esparramada na terra ela não viu, e quando ergueu a cabeça, a única coisa que ela ouvia era água nas pedras. Estava perto do rio.
Não, não, não...
Ela conhecia a floresta o suficiente para saber que o rio não deveria estar ali. Então ou alguém tinha colocado ele ali, ou ela correra na direção errada quase o tempo todo. Teria que se aproximar mais se quisesse saber realmente onde estava.
Conforme o barulho aumentava, Olívia via pequenas luzes azuis no ar. Tentou chegar perto de uma, mas era difícil discernir o que eram antes de desaparecerem. Ela continuou se aproximando, a quantidade de luzes lentamente tomando conta do ambiente. Logo ela podia ver vários metros à frente com facilidade. Tudo tinha luz. As árvores brilhavam, cada superfície parecia coberta de vida fosforescente. O ar estava repleto de pequenos insetos brilhantes. Ela sentia como se entrasse em um conto de fadas.
O riacho estava brilhando com a cor de um céu sem nuvens. Uma visão magnífica. Parecia que poderia se deitar naquela água e ter os mais belos e fantasiados sonhos, repletos com maravilhas inimagináveis. Da beirada podia ver os peixes brilhantes daquele rio de luz, e sua dança ondulante a convidava para participar. Ela precisava participar. Tinha que aproveitar aquele momento. Ela tinha ganhado esse sonho divino para acalmar a perda de seu filho. Agora tudo fazia sentido. Bastava apenas se entregar...
- OLÍVIA SAIA DE PERTO DELE!
A visão se desfez perante seus olhos. Estava de joelhos no chão da floresta, passando a mão em terra e folhas mortas. Charlie rosnava ali perto.
Ezequiel?
A explosão de um tiro veio logo em seguida, fazendo-a gritar e cobrir a cabeça. Sentiu Charlie passar correndo por ela e se afastar. Instantes depois estava sendo levantada por seu marido. Ela passou os braços em seu pescoço e debilmente procurou seu rosto.
- Você... você viu o rio amor? Diga que viu. Era a coisa mais linda.
Ele olhava tenso para a floresta.
- O QUE VOCÊ FEZ COM ELA?! O QUE É VOCÊ?!
Ela pouco entendia os gritos trovejantes, mas apenas a expressão dele foi suficiente para começar a se preocupar. A recente sensação de conforto e paz era impiedosamente arrancada, deixando a ferida exposta.
- CHARLIE, CADÊ VOCÊ GAROTO?
- Amor?
- Está tudo bem, querida... Nós vamos ficar bem... Consegue correr?
Ela fez que sim com a cabeça e perguntou:
- O que aconteceu?
- Não há tempo. Vamos!
- Ezequiel... está rindo de nós.
De fato, uma risada debochada percorria o ambiente. Vinha de todas as direções, atravessando os ossos e drenando as forças. O som invadia os tímpanos, e percorria o cérebro corrompendo a esperança. Aquele riso de deboche os fazia desacreditar em qualquer cenário possível de fuga.
O impensável havia acontecido. Algo sobrenatural e maligno.
Eles enfrentavam um pesadelo vivo.
Ezequiel apontou uma direção e eles correram. Olívia não tinha a menor ideia da distância que estavam da fazenda, pois nada por ali parecia familiar. Era como se tivessem entrado em outra floresta.
Pelo menos a risada tinha parado.
Percorreram centenas de metros sem reconhecer o caminho. Ela se orientava pela bússola e pelas indicações cada vez mais escassas de Ezequiel. Porém, em várias ocasiões que verificou a direção, constatou que eles estavam indo exatamente para o lado oposto, e começou a desconfiar do aparelho.
Olívia estava prestes a dizer que se perderam, quando uma pontada de esperança surgiu: os latidos de Charlie se aproximando.
Ezequiel apontou o rifle para a mata.
- É o Charlie! O que você tá fazendo?!
- Ele vai nos atacar... Me desculpe Charlie.
Olívia pegou nos braços dele e implorou.
- Espera! Charlie vai nos tirar daqui... Ele...
Porém ela ouvia algo entre os latidos de seu cão. Um rosnar cheio de raiva sofrida e enlouquecida.
Ezequiel tinha uma frieza no semblante que ela jamais vira. Um olhar duro e mortífero encaixado num rosto de pedra.
- O demônio o pegou – Disse ele.
Podiam ouvir Charlie bem perto. Então a corrida frenética do cão inesperadamente se desviou deles, passando a rondar a área sem ser visto. Ezequiel mantinha Olívia atrás de si e acompanhava o som com a ponta do rifle.
De repente havia mais alguém com eles. Olívia ouvia mais passos atrás dela, de modo que ficaram encurralados. O dilema de Ezequiel era escolher em qual atirar, pois não haveria tempo para um próximo tiro.
Ezequiel apontava para todos os lados tentando acompanhar o cão e a outra coisa que os rodeava, até que uma sombra se aproximou velozmente de Olívia. Num piscar de olhos o cano da arma subiu e atingiu em cheio o vulto, arremessando-o para trás.
Enquanto Charlie abocanhava o braço desatento de Ezequiel, Olívia viu seu pequeno Michael dando uma pirueta e caindo de costas no chão. Ela berrou e saltou sobre seu filho desaparecido. O sangue brotava de um buraco pouco abaixo do pescoço. Ele tentava falar e se afogava no meio.
- Ma... ma...
Ezequiel largara a arma e rolava com o cachorro. Tentava soltar o braço de suas mandíbulas.
- NÃO É REAL OLÍVIA!
Pelo menos pude segurar ele uma última vez. Pensou ela em sua dor.
- SE AFASTE!
Michael colocou sua mãozinha no rosto dela e a fez olhar em seus olhos, tão azuis e brilhantes.
- OLÍVIA!
Charlie deu seu último ganido quando Ezequiel enfiou a faca de caça em seu coração. O homem levantou e correu para a esposa, encontrando-a envolta em uma névoa brilhante. Ele saltou sobre ela apenas para dar de cara no chão, a névoa se desfazendo sem deixar vestígio de sua mulher.
Olívia desapareceu.
A gargalhada do demônio ecoou.

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