O homem entrou na sala e fechou a
porta metálica atrás de si. Mantinha a cabeça abaixada, de modo que uma
estranha franja escondia parcialmente seu rosto, revelando apenas seu sorriso,
que tão branco, realçava as cores escuras que as paredes tinham tomado após
décadas de infiltração.
- Quem é você? – Perguntou um homem de
cabelos grisalhos em uma cadeira no centro da sala. Estava completamente
amarrado a ela, seus membros e torso imobilizados.
Ainda com a cabeça baixa, o homem da
franja percorreu o espaço que os separava. Era magro, e caminhou debochando a
marcha militar - abrindo bem as pernas e balançando demais os braços. Seus
passos ressovam no concreto e chapinhavam nas poças. Quando chegou à um metro
do homem, não fez uma continência exagerada como seria esperado, simplesmente
juntou as mãos e levantou os olhos.
- Você pode me chamar de... Santo. –
Seus olhos eram castanhos e normais, fora o fato de estarem muito abertos,
parecendo doentemente interessados, como os olhos de um garoto de treze anos que
descobre o lado sórdido da internet.
Enquanto os homens se analizavam,
Santo manteve um sorriso largo, morto e irritante.
- Er... – começou o homem amarrado,
escolhendo as palavras. Parecia entender, pela expressão de Santo, que as
coisas não estavam muito boas para seu lado – Escuta... eu sou inocente... eu
nunca fiz nada de errado... você precisa me soltar... eu não sou...
Santo, um tanto simpático, fez que sim
com a cabeça, pedindo que o homem continuasse. O gesto de incentivo, porém, injetou
um medo enorme em suas veias, trazendo a tona todas os pensamentos sobre as
horríveis coisas que poderia acontecer com ele ali dentro.
- Você o que?
- Eu não sou ninguém! – respondeu
indignado – Meu nome é Marcos... Sou apenas...
- Eu sei quem você é – interrompeu-o
friamente, seu sorriso desaparecendo como se nunca tivesse existido. Colocou um
dedo no nariz de Marcos – O problema é que você não sabe quem você é.
- Como assim não sei? Por acaso você
veio filosofar? – Perguntou Marcos, o toque de sarcasmo era inegável.
- Ah... mas você vai filosofar.
Então Santo agarra o encosto e começa
arrastar cadeira e homem em direção ao fundo da sala. Marcos torcia o pescoço
tentando olhar para ele, o medo agora escorrendo pelo rosto. Quando estavam bem
próximos da parede, andou para a frente da cadeira e terminou de empurrá-la com
o pé, batendo a nuca de Marcos no concreto mofado.
- Vamos logo com isso – disse Santo, e
puxou um enorme revólver preto da parte de trás da calça, apontando, com um
sorriso radiante, para a cabeça de Marcos. - Quem é você?
Marcos, um homem que já passara dos
cinquenta e nunca teve uma arma apontada para sua cabeça, foi tomado
completamente pelo medo. Seus olhos se arregalaram para o revólver, sua pele
perdeu toda a cor. Abriu a boca em um grito mudo de terror e começou a se
tremer.
Santo levantou as duas sobrancelhas
como quem diz “E ai?”. Levantou então a mão esquerda com três dedos levantados,
então fechou o primeiro.
Um.
O olhar de Marcos saltava da arma para
a mão de Santo, e depois para o rosto sorridente dele. Parecia que seu cérebro
trabalhava à milhão para dar a resposta certa e não ser espatifado na parede.
Dois.
- Me diz que porra você quer de mim! –
gritou – Sou só a droga de um professor!
Três.
Santo suspirou e aproximou o cano.
- Não, não é.
Marcos cerrou olhos e dentes e esperou
pela explosão que acabaria com a sua existência. O silêncio reinou. Os segundos
que se passaram foram os mais angustiantes que já sentira em toda a sua vida, cada
instante podendo ser o ultimo antes que sua cabeça estourasse.
Após quase meio minuto, vieram as
risadas, então abriu os olhos, e se assustou com o buraco negro do revólver à
centimetros de seu olho esquerdo. Pelo olho direito via apenas a satisfação
doentia de Santo.
Antes que pudesse processar o que estava
acontecendo. Santo pressionou o cano da arma contra o olho dele, e empurrou. O
homem começou a grunhir e cuspir por entre os dentes. Os grunhidos ficaram cada
vez mais altos, até que o homem passou a gritar com todas as forças. Tentou
tirar a arma de dentro do olho movendo a cabeça, mas Santo agarrou o maxilar
com a mão livre e pressionou a cabeça do homem contra a parede.
Assim gargalhava na cara dele.
- Pare! Pare por favor! – Porém quanto
mais o homem gritava, mais Santo ria e empurrava a arma. Sangue escorria por
toda a bochecha esquerda do professor e ia parar na gola de sua camisa.
- Aahahahaha!
Finalmente, com um leve som de sucção,
Santo retirou o cano da arma de dentro da órbita esquerda do homem, que
arquejou várias vezes e começou a chorar baixinho.
- Por que...? – Perguntou o professor
abaixando a cabeça e derrubando lágrimas vermelhas.
Santo não tinha escutado, tinha se
afastado alguns passos e gargalhava alto, Com uma mão na barriga e o corpo
dobrado sobre ela. Ria com gosto, e quando o ar começou a faltar, começou a
sacudir a cabeça e bater com o revólver no joelho, descontrolado. Mas
finalmente se recompôs e, após tossir um pouco e revelar um rosto vermelho de
tanto rir, forçou-se a respirar normalmente.
- Vou perguntar mais uma vez, quem é
você?
Foi demais para o Marcos. Sua boca se
retorceu e ele começou a berrar. O choro, o olho destruído, o sangue e a careta
do homem realmente não era algo bonito de se ver. Mas Santo gargalhou
novamente.
- Eu sou... – disse Marcos, respirando
com força, e então gritou – Eu sou pai!
Ah... por favor...! MINHA FAMÍLIA! POR FAVOR!
- CALA A BOCA! – Gritou Santo,
desferindo um chute no estômago de Marcos.
- Preste atenção, não é tão difícil...
imagine que nunca existiu o antes da
cadeira que você está sentado. Nunca houve um antes dessa sala. Sua existência se resume a este momento. Então
quem diabos é você?
- Eu sou um fodido – respondeu ele, tristemente.
Santo ficou de boca aberta por um
instante, e fez uma festa.
- SIM! SIM! SIM! É ISSO!
- Eu acertei? Você vai me soltar?
A festa acabou com esse comentário.
O sádico curvou a boca pra baixo, como
um mímico trintonho, e disse:
- Se eu fizesse isso você perderia sua
identidade.
Por um segundo, Fudido não entendeu,
mas então Santo pegou-o pelo maxilar e aproximou a arma do olho bom dele. O
olho se arregalou com o revólver que se aproximava e o Fudido respirou fundo:
- Não... Não... Para! PAAARAAA! – Gritou enquanto apertava os
braços da cadeira, tentando se empurrar para longe.
Quando começou a doer, os berros se
tornaram uma mistura de lamento e desespero, tão altos que, no meio de um
sorriso, Santo fez uma careta de dor no ouvido.
Agora, fascinado e comedido, e tendo
alcançado o fundo da órbita, Santo começou a girar a arma, imaginando a agonia
infligida.
Nesse momento, algo mudou no Fudido. Talvez não quisesse mais sentir
dor, ou quem sabe não suportaria viver cego, ou mesmo finalmente aceitou ser um
fodido. Gritou:
- Atira! Atira logo, filho da puta!
-
Tem certeza? – Seu sorriso chegava a doer no rosto. Seus olhos ansiavam pela
resposta.
- Sim!
- SIM! – repetiu em um grito de comemoração. Tirou a arma do olho e
atirou para baixo, explodindo uma parte do assento do tamanho de um punho, e mandando
praticamente todas as coisas velhas que o Fudido tinha entre as pernas pro
espaço.
Gritos, caretas e convulsões de dor. Haveria
mais mas tudo foi interrompido quando a coronha do revólver acertou a bochecha
do Fudido com tanta força que o homem tombou junto com a cadeira e bateu a
cabeça no concreto. Santo olhou por um segundo a dor e tristeza agudas dele e
se dirigiu à porta, cambaleando como se tivesse se afogado em cachaça. A boca
aberta sem emitir som algum. Não conseguia respirar de tão comedido.
Enquanto isso o Fudido jazia na posição mais desconfortável de sua vida.
As amarras fazendo pressão nos pulsos e tornozelos, a cabeça pressionada contra
o chão frio. Sua boca foi se abrindo lentamente em um urro de mais de raiva do
que de dor. Depois de perder os olhos, as bolas e uns dentes tudo que conseguiu
fazer foi gritar.
Santo já saía cambaleando da sala, e assim que ouviu o grito, desabou na
parede do corredor do lado de fora. Seus olhos estavam cheios de lágrimas, seu
rosto estava novamente vermelho, e cada centímetro de sua face parecia sorrir.
Quando finalmente conseguiu encher o pulmão de ar, uma inspiração que entrou
rouca e desesperada. Soltou um grito comemorativo, e foi o começo de suas
gargalhadas, ecoando por um corredor repleto de portas metálicas.
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